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Ayrton Senna se foi, e agora? Vamos viver só de lembranças?




O melhor até hoje, não de todos os tempos, todos os tempos sugere eternidade e do futuro nada sabemos, mas até em um simples termo, “todos os tempos”, já cravamos e sem querer desencorajamos o surgimento de alguém tão bom quanto.



Vivemos de passado, os da minha época dirão, eu vi Piquet e Senna, os mais velhos que eu, dirão; “Eu vi Lauda, Emerson e Hunt”.
No futebol cravamos, ninguém foi melhor que Pelé e nem haverá outro. Concordo, não haverá outro, mas sempre haverá alguém com capacidades iguais ou até maiores e estas capacidades devem ser encorajadas, não o contrário.

Imagine um país mergulhado em recessão, desemprego, inflação, a cada seis meses a moeda corrente mudando de nome, você vai no mercado hoje e o litro de leite custa 10 Cruzados, ontem custava 10 Mil Cruzeiros. Poupanças confiscadas, a televisão é a única diversão que se tem aos fins de semana. No futebol, há mais de vinte anos a Seleção não conquistava uma Copa.

É neste cenário que o brasileiro, que nunca parou para assistir uma corrida se quer, descobre o “Salvador da Pátria”. Senna já havia conquistado seu primeiro mundial de Formula 1 e rumava para o segundo. As corridas ao vivo nas manhãs da Globo passavam a ser os poucos instantes de alegria de um povo descrente no Futebol, na Política e no próprio País, a única certeza que se tinha era a de que Senna iria vencer no domingo, e ele vencia.

Junte a estes ingredientes o patriotismo de Ayrton, as mensagens positivas passadas em entrevistas e programas exclusivos sobre ele no Globo Repórter, a bandeira carregada na volta da vitória, o Hino Nacional no pódio, as entrevistas no Sinal Verde e matérias no JN.
Senna era o esportista que todos queriam ser, passava uma mensagem positiva de esperança, coisa que ninguém naquela época conturbada conseguia passar, namorava a “Rainha dos Baixinhos” e quem não gostaria disso?

A morte trágica na pista, fazendo o que amava e o que todo o Brasil naquele momento também amava ver, não foi o fim, mas o início de coisas bizarras que vão contra tudo o que o próprio Ayrton demonstrava ser.
Senna ficou perplexo com a morte de Roland Ratzenberger no Sábado, não queria que houvesse corrida, e com sua morte, o país e o mundo simplesmente esqueceram a morte de Roland. O também brasileiro Rubens Barrichello, vítima da sexta-feira imediatamente foi esquecido no hospital.
Duvido que Senna, se vivo, não tivesse ido ao velório de Roland, mas o que se assistiu em seu velório foi vários títulos mundiais segurando a alça do seu caixão e nenhuma nota sobre o enterro do outro piloto de Formula 1.
Duvido que Senna teria gostado da disputa pelo "título de viúva" em seu velório, a atual namorada Adriana Galisteu sendo praticamente excluída e o "posto" entregue pela família a sua ex Xuxa.

Velório, o Brasil adora velório, cortejo, enterro, elegem músicas para tocar repetidamente, repórteres com cara de choro entrevistam pessoas que na maioria das vezes nem conhecem direito o defunto.
Antes de Senna, havia sido Tancredo Neves, busquem no Google e You Tube, verão um cortejo em carro oficial, pessoas cercando as ruas, flores, bandeiras, e a música de Milton Nascimento “Coração de Estudante” sendo facilmente decorada por quem, até então, não tinha o bom costume de ouvi-lo.

Mas as “homenagens” à Ayrton superaram as feitas ao quase presidente, a chegada do corpo escoltada por caças da FAB, honras militares, ruas tomadas, caixão sobre o carro de bombeiros, novamente bandeiras, novamente flores, uma música coincidentemente do mesmo cantor, sim, o hit fúnebre de Milton Nascimento desta vez era “Canção da América”, mas a comoção e cobertura eram bem maiores agora. Mais TVs em cores, um colorido triste àqueles dias cinzas.

De lá pra cá, ninguém nunca foi bom o bastante, a música tema da vitória, tocada pela primeira vez para Nelson Piquet, adotada como sendo o "melô de Ayrton Senna", quando tocada para Rubens e Felipe, parecia não ter o mesmo tom.

Em comum entre alguns brasileiros, que jamais haviam visto a Formula 1 antes de Senna, foi passar a dizer que a Formula 1 jamais seria a mesma depois dele.

A busca desesperada por um substituto acabou transformando outro grande piloto Brasileiro em piada na própria Globo. Era Galvão Bueno, por força de suas narrações, tentando fazer de Rubens Barrichello algo que não era, no domingo, e na terça-feira à noite, a Turma do Casseta e Planeta tentando transformar Rubens em algo que ele também não era. Galvão e a Equipe Global, desejavam muito que Barrichello fosse o piloto a brigar de igual para igual com Schumacher na Ferrari, e o programa humorístico tripudiava capitalizando em cima do contrário.

Depois vieram mais de uma dezena de outros bons pilotos, a grande maioria em carros horríveis, precipitados em querer chegar simplesmente por chegar, sem compromisso ou condições de permanecer.
Cada um deles, uma jovem promessa, o futuro do Brasil na Formula 1, em um único ano chegamos a ter seis pilotos brasileiros figurando no grid, em 2001 foram Rubens Barrichello, Luciano Burti, Tarso Marques, Enrique Bernoldi, Ricardo Zonta e Pedro Paulo Diniz.

Ao mesmo tempo em que procurávamos desesperadamente um novo Senna, a cada dia 1º de Maio, que até 1994 era comemorado o “dia do Trabalho”, agora havia se tornado o segundo “dia de finados”. Senna foi de uma certa forma elevado à categoria de “semideus” e suas “façanhas” consideradas inalcançáveis, outro piloto com tanto talento? Impossível, uma triste forma de desencorajar a qualquer garoto que busque este esporte, afinal, todos deveriam ter um exemplo a seguir, alguém para se espelhar e quem sabe um dia ser igual, mas com Senna, não, dizer que será como Ayrton um dia beira a heresia.

Se naquele triste final de semana em Imola, Senna simplesmente tivesse batido no cinto e voltado para o Algarve, talvez hoje fosse o “dia do trabalho”, talvez estivéssemos vendo seu filho nas pistas, pode ser que tivesse batido Fangio, talvez rivalizado com Schumacher tanto quanto foi com Prost, talvez estivesse falando bobagens em alguma emissora de televisão durante as transmissões, coisa que é comum hoje em dia, talvez estivesse recolhido em alguma casa de campo se dedicando a família.

Hoje temos na Formula 1 pilotos tetra, penta e heptacampeão, mas no Brasil ainda estamos no Tri, mas no Tri de Senna, pois o de Nelson não é um Tri, é apenas um tri.

Duvido que Senna, no dia de hoje, fosse gostar de tanta visibilidade, não o Ayrton, o Beco tímido, discreto. Injustiça não era com ele, e não o vejo aprovando pessoas que já perderam pai, mãe, avós e outros parentes, no dia de hoje postando suas fotos, repetindo frases suas, o tratando como intimo sem nunca ter assistido uma corrida sua sequer, e muitas vezes se esquecendo a data de morte de seus entes queridos.

O Senna que eu tenho em minha memória é aquele que no dia de hoje diria:

“Hoje é dia do Trabalho, então, bora trabalhar”.


Comentários

  1. Bravooo!!!,
    Palavras perfeitas

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  2. Sensacional como sempre, Regii

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  3. Regii você não só escreve, mas você desenha com as palavras!! Sensacional!!

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  4. Regii você não só escreve, mas você desenha com as palavras!! Sensacional!!

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  5. Reginaldo,
    como amantes da F1 e fã incondicional do Eterno Ayrton sabemos que igual a ele dificilmente vai aparecer, no circo da F1 tivemos pilotos excepcionais como O Shummi, Ham e entre outros mas nenhum fez o que o Senna fez, estou falando de façanhas do tipo colocar um segundo e meio na classificação em cima do segundo colocado, andar na chuva entao nem precisamos falar ..enfim ..se pegar tudo de extraordinário que ele fez, acho dificil termos um outro Senna

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  6. Sim, Senna até aqui foi o maior, e espero que ainda apareçam outros tão bons quanto, até porque se cravarmos que jamais haverá tamanho talento já podemos encerrar com as corridas de automóvel, pois o esporte em si é uma eterna busca por superação.

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  7. Excelente texto Regii!! Você desceu tudo e mais um pouco!! Sem palavras, apenas 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼!! Excepcional Regii!! 🏁🏁🏁🏁

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    1. Obrigado amigo, o objetivo é sempre despertar um debate positivo sobre o esporte a motor, que até aqui Senna foi um dos maiores é indiscutível, mas temos que pensar no futuro também.
      Grande abraço

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  8. Artigo consciente, digno de seu autor. Parabéns, Reginaldo. Os fãs tem todo direito a expressar suas opiniões e sentimentos, mas, aos formadores de opinião e especialistas no assunto como você, cabe a lucidez que o texto demonstra.

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  9. Até hj sou um amante de corridas em geral......e até hj nunca tinha lido sobre meu ídolo ..um texto tão pertinente ......meus parabéns amigo ....uma excelente reflexão pra quem ler seu texto .....os valores mudam ....

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  10. Esse esporte deu títulos ao Brasil.Mas sempre haverão pilotos melhor do que Fangio e Senna ou Schumacher.Tudo é questão de tempo.

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    1. Caro Chyco,acho que já disse em outro comentário, esporte é evolução e com certeza surgirão outros, pode demorar mas surgirão sim.
      Abraço amigo

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  11. Quem vive de passado é Museu.

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