Chegar a alguma conclusão sobre o atual estado de coisas de nosso esporte é tarefa difícil, não foi à toa que contamos com a ajuda de pessoas que realmente fazem o automobilismo. Os depoimentos de Átila Abreu, Washington Bezerra, Luciano Zangirolami, Willian Ayer, Thiago Marques, Waldner Dadai, Rodrigo Sperafico, João Abreu, Oscar Chanoski, Raphael Figueiredo, Milton Sperafico, Eduardo Homem de Melo, Rafael Lupatini, Mico Juan Lopez, Marcos Tokarski e Djalma Fogaça, cada um com seu ponto de vista, às vezes convergentes às vezes divergentes, mas todos com o mesmo objetivo, encontrar respostas. Posteriormente à matéria, conversei ainda com Rosinei Campos que também deu sua opinião.
Não é e nunca será fácil falar de
um esporte em que vinte ou até trinta pilotos disputam três lugares no pódio, o
esporte em si já gera disputas em proporções bem maiores que os demais esportes.
Como cobrar união neste caso? Pedir que se unam em prol do esporte? Cria-se uma
associação de pilotos, mas os pilotos não se filiam por achar que quem funda a associação,
o faz, apenas para atender interesse próprio.
Parece incrível, mas a realidade
é que num esporte considerado elitista, existam hoje muito mais pilotos, do que
vagas, as centenas de Pilotos que hoje estão no Kart nos próximos anos terão a difícil
missão de procurar uma vaga nas dezenas de Categorias existentes, estas estão
com suas vagas preenchidas e os donos destas vagas dificilmente as cederão.
Hoje vemos algumas caras novas na
Stock Car, mas este fenômeno não deve ser creditado a uma renovação natural, isto
se deve a outro fenômeno. Em conversa com o piloto Rodrigo Sperafico, ele me confidenciou
que perdeu um pouco do interesse pela Stock Car por conta da pressão exercida
sobre pilotos e o fato da “diversão” recebida em troca não estar à altura desta
pressão.
Chamar de renovação, no caso
especifico da Stock Car não cabe quando notamos que nomes como o de Rodrigo
Sperafico, do seu irmão Ricardo, Giuliano Losacco bi-campeão, Thiago Marques,
Felipe Maluhy e mesmo Antonio Jorge Neto, estes pilotos claramente não fizeram
o que seria uma despedida da categoria, e sim por qualquer que seja o motivo,
abriram mão dela. Diferente da época em que os Dinossauros Ingo, Paulão, Xandy
e Chico Serra, estes sim foram aos poucos cedendo seus lugares.
Não existe uma renovação
propriamente dita, o que existe é uma renovação forçada, mas ao menos isto
existe, e o fato de ser forçada, seja por um talento reconhecido como Felipe
Fraga, seja por alguns milhões de reais, este rodízio, ainda que lentamente
começa existir. Por outro lado uma Categoria como a Stock Car, não iria muito
longe sem nomes como Cacá Bueno, Átila Abreu, Rubens Barrichello, Ricardo
Zonta, Ricardo Mauricio, Max Wilson, Daniel Serra, Marcos Gomes, Thiago Camilo
e Allan Khodair entre outros nomes que a exemplo dos nomes que citei acima e
que hoje estão fora, fariam uma tremeta falta para a categoria. Basta ver o que
hoje acontece com a Formula Truck, que perdeu grandes nomes e até que forme
novos “ídolos” passará por um período de, no mínimo, menos glamour.
A solução talvez possa ter vindo
de alguns depoimentos, o caminho talvez seja esquecer o termo categoria escola,
categoria trampolim, ou seja lá como chamem as categorias menos expressivas e
torná-las profissionais; Um exemplo disso é o que pretende fazer uma pessoa de
visão que hoje vem fazendo a diferença em nosso automobilismo, seu nome é
Marcos Galassi, embora ainda não o tenha encontrado pessoalmente, conheço bem
seu projeto e entre outros diferenciais simplesmente fantásticos da Formula
Inter, é que ela esta formando pilotos para serem profissionais de
automobilismo, e ser profissional de automobilismo não está em pilotar um Stock
Car, um Formula 1 ou qualquer outra categoria top mundial, ser profissional de
automobilismo é pilotar em uma categoria que lhe permita angariar patrocínios
que possam custear sua temporada e que alem disso resulte em uma renda que lhe
permita viver apenas para pilotar, permita evoluir física e tecnicamente e com
isso dar cada vez mais retorno ao seus patrocinadores, é um circulo virtuoso.
Quanto seria um salário bom o
suficiente para um jovem que hoje sai do kart e esta iniciando sua carreira?
Cinco, Dez ou Quinze mil? Não importa, o importante é ter em mente que será
profissional e vivera disso. Aí você pode me chamar de louco e argumentar que às
vezes o piloto não cosegue patrocínio pra correr, muito menos teria condições
de ser remunerado. Eu respondo que em partes quem pensou isso tem razão, quando
pensamos em categorias como Formula 3, Formula 4 Sudamericana, Brasileiro de
Turismo e daí pra cima, mas pense em 30 mil reais por etapa, parece bom não?
Pense nestes 30 mil por etapa, oferecendo ao seu patrocinador Televisão,
recebendo da Categoria um acompanhamento de um departamento de marketing, Coach
de pilotos consagrados do automobilismo nacional e mundial, ajuda psicológica e
muito mais, HC para seus patrocinadores e possíveis futuros patrocinadores, parece
caro? Parece impossível? Não, isto é o que a Formula Inter entrega à seus
pilotos em todas as etapas, tudo isto a um custo de menos de 15 mil reais, e troco?
Está aí o salário do piloto de 15 mil reais, sim poderia ser menos ou até mais,
de acordo com os apoiadores que tal piloto possa alcançar. Isto não é
propaganda, não faço comerciais, isto é uma forma de mostrar que é possível se
profissionalizar onde o piloto está.
Quem está em outras categorias
sejam elas quais forem devem buscar estas vantagens, e cabe aos donos das
diversas categorias passarem a pensar diferente, para que ficar formando
pilotos para que saiam, e ter que todo final de anos sair correndo atrás de
novos pilotos?
Criar condições para que os que lá estão permaneçam por mais
tempo.
A renovação é claro que deve existir, este é um processo natural, mas é
preciso que os pilotos tenham em mente que cada um tem um talento diferente, um
bolso diferente, e seu sonho deve andar junto com estes dois fatores.
O automobilismo ao longo dos anos
vem se tornando uma maquina de destruir sonhos, carreiras e projetos, a culpa
disso não é do esporte, não é do governo, nem da CBA, a culpa é única e
exclusivamente dos pilotos e dos que os gerenciam. Cada piloto tem um potencial
e na grande maioria das vezes o seu sonho esta muito alem do seu potencial técnico
e financeiro.
Era uma ilusão no passado um
piloto sonhar em chegar a Formula 1, a vinte anos atrás já era preciso a união mágica
do talento ao dinheiro, hoje esta mágica permanece sendo exigida, porem a nível
nacional, é ilusão achar que ao sair do kart, o piloto passara por duas ou três
categorias e finalmente em três ou quatro anos tomará a vaga de Cacá Bueno, ou
do Barrichello. Ou pensar que apenas por gastar centenas de milhares de reais
numa Formula 3, gastar mais centenas de milhares de dólares, mais um Banco do
Brasil inteiro, irá fazê-lo chegar a Formula 1, não podemos esquecer que um Lance
Stroll apenas, compraria seu patrocinador para ficar com a vaga.
É preciso que pais de pilotos,
ainda no Kart, entendam onde seu filho tem condição de se colocar nesta cadeia
e desde muito cedo, entenda e faça seu filho entender que uma coisa é pilotar e
viver de automobilismo, outra coisa muito diferente é sonhar com o inalcançável,
isso não é desmotivar, isto se chama educar.
Outra ideia que foi comum entre
alguns depoimentos, é a de que precisamos olhar para fora, buscar algumas
ideias consagradas como a Nascar, por exemplo, este excesso de pilotos frente o
baixíssimo numero de vagas, na Nascar foi facilmente resolvido com a criação
das diversas subdivisões, temos hoje a Truck Series, a Infinity e a Sprint, só
para citar as divisões nacionais pois existem divisões regionais da mesma
Nascar. O status de se correr na Nascar é o mesmo, um campeão na Truck é
campeão de Nascar tanto quanto o da Sprint, o que muda é a tradição e os
desafios internos dentro de cada uma destas divisões.
A Stock Car hoje conta com 30
carros no grid, e não suporta muito mais que isto, existe o Brasileiro de
Turismo, que já foi considerado uma divisão de acesso da Stock Car, mas que na
pratica não garante mais nem que piloto nem equipe campeã tenha vaga na Stock
Car, isto é altamente desmotivante e acaba sendo apenas dois eventos distintos
que se utilizam do mesmo calendário. Agora imaginemos a Stock Car com duas ou
até três divisões, como é a Nascar, teríamos sim pilotos em quantidade e
capacidade suficiente para suprir todas estas vagas.
Hoje caímos no habito de creditar
todo o fracasso individual e do automobilismo como um todo, mera e simplesmente
na falta de patrocínio. Obviamente isto é um problema, sem recursos não há como
se praticar o automobilismo, mas o que estamos buscando? Simplesmente dinheiro?
Parceria?
Foi o tempo em que se apontava
a visibilidade televisiva como grande atrativo para um patrocinador, muitos
hoje consideram as redes sociais como mídia de massa e não mais a televisão. O
publico mais jovem nos dias de hoje não assistem mais a TV aberta e nem ao
menos as TVs pagas convencionais.
A netflix é sucesso hoje em dia justamente
por oferecer um tipo de programação que não conta com grade de horários, esta
flexibilidade dá ao assinante a possibilidade de assistir o que quiser na hora
que quiser. Este é apenas um exemplo de como as coisas mudam rapidamente, e os
argumentos também devem mudar na mesma velocidade com que as plataformas de mídia
mudam.
E a responsabilidade do Governo,
ela realmente existe? A criação de mais leis de incentivo ajuda? Ou o aperfeiçoamento
da lei atual? O fato é que quem está disposto a apoiar o esporte, o fará com ou
sem lei de apoio.
Tenho visto varias empresas
dispostas a apoiar, mas ao mesmo tempo, vejo conflitos de interesses dentro das
próprias categorias, tenho conhecimento de casos absurdos dentro da própria Stock
Car, onde um determinado patrocinador de uma equipe é proibido de investir
dentro da própria categoria por haver conflito com o patrocinador do evento, e
isto acontece em varias categorias, ou seja, empresas dispostas a investir
barradas por acordos que acabam favorecendo apenas o “dono” do Evento. A livre concorrência
é um pilar básico para o fortalecimento de qualquer segmento, no automobilismo
não é diferente, veja o exemplo da indústria farmacêutica que a anos segue
apoiando a categoria através das equipes, e este é apenas um segmento. O que
fomentou a Formula Truck nos bons tempos foi a indústria de autopeças. E este é
só mais um segmento.
Por que o Campeonato Brasileiro
de Marcas não tem um apoio maior das montadoras? E por que a Formula Truck nos
bons tempos tinha apoio de praticamente todas as montadoras? Por que o
Brasileiro de Marcas é um campeonato de monoblocos e não de marcas, com um
argumento mentiroso de que motores e câmbios iguais são para baixar o custo,
com o valor de uma temporada pode se comprar no mínimo seis carros e o que não
faltaria seria peças de reposição.
Na Stock Car o aluguel de um
motor, anos atrás, era de 15 mil reais por etapa, hoje deve ser mais, só que
todo mundo sabe que o mesmo motor V8 se comprado não sairia mais que 50 mil
reais, isto é baratear? As inscrições de todas as categorias que participam do
Evento da Stock Car este ano, por carro, passaram de R$ 1.800,00 em 2016 para
R$ 5.900,00 este ano, isso mesmo, mais de 300% de um ano para outro. Junto com
tal aumento, seguiu-se também uma ameaça às equipes que obviamente reclamaram; “É
este valor, ou teremos apenas 10 Etapas e não teremos a Corrida do Milhão”.
Eu posso estar sendo leviano ao
afirmar, mas o que esta difícil não é conseguir patrocínio, difícil é conseguir
uma empresa disposta a bancar estes caprichos de algumas categorias.
Temos cervejas e energéticos,
temos a indústria tecnológica, farmacêutica, alimentícia, vestuário, bancos,
linhas aéreas e mais uma infinidade de possíveis apoiadores, mas volto a
frisar, antes de buscar apoio é preciso saber aonde se quer chegar, é preciso
projetar e não só acreditar, mas fazer com que seu apoiador projete isto junto
com você, que participe não do seu sonho, mas sim do seu projeto.
O automobilismo não esta
acabando, esta descansando, enquanto a maioria dos que nele estão, acabam
projetando sonhos e esquecendo de viver a realidade nua e crua, da qual o
automobilismo é feito, se cada vez mais pilotos deixassem de buscar alcançar o
quase inalcançável e passassem a buscar o que é real, palpável, isso pelo menos
num primeiro momento, para passar a viver do esporte dentro de sua realidade, e
aí sim, com tempo e planejamento, ir tornando os caminhos mais fáceis para quem
saber chegar ao sonho. Quem sabe mais uma vez tirar exemplo do Futebol, onde apenas
um é Neymar, mas milhares conseguem viver apenas de jogar bola, e quem não
gostaria de ganhar a vida pilotando?
É impossível que todos os
pilotos, hoje no Kart, tornem-se pilotos de Formula 1, Indy, DTM, Stock Car,
mas o quanto antes colocarmos em mente que sim, é possível se profissionalizar
e se adequar as circunstancias, mais cedo passaremos a ver o automobilismo, não
como uma escada para a Formula 1, cujos degraus estão cada vez mais altos em
relação ao tamanho de nossas passadas, e sim como um mercado de trabalho, e
pilotar como uma profissão.
Quando deixamos de perseguir o inalcançável,
focamos nos nossos objetivos possíveis, passamos a nos dedicar de tal forma no
que é possível, que quando menos esperamos o impossível bate a nossa porta.
Em outras palavras automobilismo
é o agora, o momento, fazer o que é melhor agora, neste momento, investir neste
momento, buscar apoio para o que fazemos hoje.