Nunca um sobrenome se encaixou tão bem
com a historia de vida de uma pessoa quanto o de Sergio Adriano Vida, carregar
“vida” no nome pode até nem ser tão incomum, mas dar e entender o verdadeiro
sentido destas quatro letras é para poucos. Nascido numa noite gelada do
inverno Curitibano, Sergio teve uma infância não muito diferente das dos outros
meninos, e diferente de muitos pilotos que conhecemos, na infância, nunca teve
contato com Kart, a única sensação de velocidade que tinha, era descer as
ladeiras do centro de Curitiba com sua bicicleta. Praticava esportes, atletismo
e natação, gostava de competir e sempre competia para vencer. Aos dezenove anos
se formou Oficial R2 no Exercito Brasileiro, época em que descobriu outra
paixão, o tiro, mesmo sendo apenas um treinamento exigido, para ele era mais
uma competição e ele teria de ser o melhor nisso também.
Mas meu intuito é falar sobre seu
sobrenome, "Vida", e foi nesta mesma época que esta palavra começou a ganhar
significado em sua "Vida", conforme ele mesmo relata a seguir:
“Aos 19 anos fui servir o Exército e me formei como Oficial R2 tendo
feito o NPOR. Quando aos 20 fui convocado para servir em Guarapuava onde morei
até os 22. Todos os finais de semana eu vinha pra Curitiba, e voltava de carro
para lá. Quando numa das viagens de retorno sofri um acidente, ao passar em um
buraco na estrada, um dos pneus, o dianteiro direito estourou. Logo em seguida
o carro caiu no acostamento de areia e começou a derrapar de lado vindo a
capotar. Estava sem cinto de segurança, uma fatalidade, pois 10 minutos antes
eu havia parado em um posto de Polícia Rodoviária para deixar um documento para
um colega que voltava de Guarapuava sentido Curitiba. Ao entrar no carro, me
esqueci de afivelar o cinto e continuei minha viagem. Quando começou a capotar
fui 'expelido' para fora do carro, batendo a coluna lombar na coluna da porta,
tendo fraturado as vértebras da coluna entre T12 e L1. Enquanto eu voava
literalmente, via o chão chegando, mas não consegui mudar a posição e acabei
caindo sentado, sobre um formigueiro de “saúvas”. Acho que desacordei por uns
minutos, e quando recobrei os sentidos, meu corpo estava coberto de formigas
com os ferrões enterrados por tudo. Como eu tinha noções de primeiros socorros,
sabia que tinha algo errado com a coluna, mas tinha que sair de imediato de
onde estava para tentar sobreviver ao veneno delas. Encontrava-me naquele
momento a uns 20metros da estrada em um declive para a estrada, fui rastejando
até o acostamento e quando parei ali um carro que passava me viu e parou para
me auxiliar”.
Todo
acidente de carro por si só já é traumático, e a recuperação física e
psicológica não é fácil, quando deixa sequelas leves, no caso de Sergio, este
acidente literalmente mudaria sua "Vida".
“O socorro foi feito de forma errada, a Policia Federal demorou a
chegar, até que dor me tirou a consciência novamente. O rapaz do carro que
parou para ajudar, pensando que eu iria morrer, colocou-me no banco traseiro do
carro levando ao Hospital em Iratí. Mais um agravante, depois de rastejar, o
movimento para me socorrer agravou ainda mais o quadro de lesão medular que
havia sido acometido. De Irati fui transferido para Curitiba, para o Hospital
Militar onde fui operado. Passei ao todo 45 dias hospitalizado, tendo perdido
muito peso”.
O que segue, podemos até tentar
imaginar, mas só sentindo na pela para dimensionar o que pensa um jovem cheio
de vida, esportista, que de repente se depara com o fato de que não poderá mais
andar. É absolutamente compreensível que tal pessoa passe por um período de
desanimo, porem o de “Vida” foi bem curto.
“Meu estado psicológico estava bastante abalado, pois não conseguia
aceitar as novas condições que a vida me impunha. Mas nestes momentos, a família, a nossa crença em um ser divino e os
amigos fazem a diferença. Coloquei em minha mente que iria voltar a andar, e
comecei então a fazer musculação com meu tio que é professor e um grande amigo.
Que ainda no hospital colocou na parede um cartaz escrito "NUNCA DEIXE A
INÉRCIA E O MEDO TOMAREM CONTA DE VOCÊ". E foi o que fizemos fomos à luta.
Naquele momento eu que pesava 74 kg, estava pesando 45, era só pele e osso. Ao
sair do hospital, fisioterapia e musculação diariamente. Em alguns meses eu
havia me recuperado da perda de peso”.
Novamente o esporte seria fundamental
para a retomada da “Vida” de Sergio, ainda se recuperando, foi na hidroterapia
que se iniciou a retomada para as competições de natação.
“Foi quando comecei a fazer hidroterapia na escola de natação
Amaral. Lá fiz amizade com todos, e os professores vendo que tinha jeito para a
água logo me convidaram para nadar. Foi uma maneira de me reintegrar novamente
à sociedade, me socializar, e viver. Pois até então eu ainda estava meio
recluso e acuado. Nadei durante vários anos, tendo competido no certame
nacional. Fui campeão sul brasileiro na classe S7 e terceiro colocado no
campeonato brasileiro de natação em 1994 e 1995. Em 96 quando meu filho Lucas
nasceu resolvi dar um tempo nas competições, e só nadar para não perder a forma”.
O tempo afastado dos esportes foi
rápido e o retorno foi no esporte que o levaria a realizar o sonho da “Vida” de
milhares de jovens, ao contrario de muitos como já disse, o amor pelo
automobilismo veio tarde na sua “Vida”, mas não tarde demais para suas condições
físicas.
“Certo dia em 1999, estávamos com a família de minha esposa em uma
confraternização, quando nossos primos resolveram fazer uma corrida de kart
indoor. Fomos ao Marumby Kart Indoor, estávamos em quinze pessoas mais ou
menos. Ai o pessoal começou a se arrumar, colocar luvas, balaclavas e capacete
e eu assistindo. Veio um dos mecânicos fez o breefing e eu me dirigi próximo à
grade para assisti-los. Fiquei ali maravilhado vendo os pegas na pista, e
pensei comigo: "Puxa vida bem que eles podiam ter um kart que eu pudesse
pilotar". Dias depois comentei com o Henrique Nemeth, e ele me conseguiu uma
adaptação novinha fabricada pela Cavenaghui. No mesmo fui pessoalmente ao
Marumby, onde fui recebido de braços abertos Pelo Mário Panico e pelo Baú, que marcaram
para que eu fosse ali no dia seguinte. As 14hrs em ponto lá estava eu. A
adaptação era simples com uma alavanca, com dois braços que eram fixados às
pedaleiras do kart. Nada que 30 minutos de trabalho de meu amigo Henrique não
resolvessem. Eles providenciaram os equipamentos de segurança, e eu sentei no
kart. Quando ligaram meu coração estava a 250 por minuto, acho que eu devia
estar com uma cara de menino assustado naquele momento. Mas quando acelerei, comecei
então a sentir uma emoção tão grande e forte, e comecei a chorar dentro do
capacete, sentir uma sensação de conseguir, de realizar, e alivio também. E continuei
a acelerar e não parei, e a cada volta eu ia mais rápido. E mais rápido, a
ponto dos meninos que cuidavam dos karts fazerem sinal de positivo pra mim.
Naquele momento senti que aquilo era pra mim. Acho que após umas 30 voltas me
pediram pra parar”.
Deste dia em diante Sergio mudou de “Vida”,
passou a treinar três vezes por semana, sempre com a pista vazia, até que foi
ganhando experiência e melhorando seus tempos. Quando passou a correr contra os
adversários, se destacou mais ainda. Em 2000 foi campeão do Metropolitano de
Kart Indoor. Na pista, no Kart, as diferenças se igualam e sempre competindo
com kartistas mais experientes, Sergio “Vida” foi se destacando. Correu em
provas de longa duração, o que exigia muito dos seus braços, pois alem do
volante, o acelerador e freios também tinham de ser acionados com as mãos. Mas
isso não era nada, nada se comparado ao prazer de pilotar.
O currículo nas corridas de Kart é
grande, mas nada perto do que estava por vir. Em 2008, após se sagrar campeão
do Parakart, primeiro campeonato de Kart, para pessoas portadoras de deficiência
física, Sergio “Vida”. Recebeu ao recebeu ao final daquele ano o premio de
Piloto Revelação e com ele o convite para um testar um carro da Formula 3 Sul-americana.
Foi neste teste que ele conheceu o Afonso Rangel.
“Com a conquista do campeonato, fui agraciado com o Prêmio de Piloto Revelação pela Federação Paulista de Automobilismo. Durante o evento, que ocorreu no final de 2008, fui convidado para fazer um teste na Formula 3 Sul americana que ocorreria no começo de 2009 em Curitiba. Lá conheci uma pessoa que é um dos principais engenheiros da Stock Car e trabalha na Tuiti. Ele me apresentou para o Afonso Rangel e de pronto surgiu a idéia de pilotar um Stock Car. Daí pra frente acho que todos conhecem a história”.
Após muitas adaptações que envolveram
até uma visita aos boxes do WTCC para conhecer as adaptações feitas no carro de
Alessandro Zanardi, e depois de meses de estudos e muito trabalho estava pronto
o primeiro carro de Stock Car adaptado. Em décadas de existência da maior
categoria de automobilismo do Brasil Sergio “Vida” estava prestes a ser o
primeiro cadeirante a pilotar um carro da categoria.
“ O Zanardi é um cara
simples sem frescuras, e com um carisma que contagia. Não sei se porque admiro
ele a muito tempo, desde a F1. Conhecê-lo foi como conhecer alguém que já tinha
contato a anos, ele foi super receptivo, e durante os 30 minutos que
conversamos mostrou-me como funcionava o acelerador dele. Disponibilizou o
email de seu engenheiro que estava na Alemanha. A adaptação dele era uma engenhoca
daquelas, mas funcionava como uma luva. No meu caso, não funcionou muito bem,
porque na época o carburador do stock era mecanico, e não tinha inheção
eletrônica, como no WTCC, o que facilitaria em muito, pois diminuiria peso.
Para você ter idéia ao terminar a primeira seção de testes, na Stock Car, na
quinta feira de corrida, após oito voltas, meus dedos não dobravam de dor. Não
conseguia movimentá-las”.
Em 22 de Outubro 2009, aos 44 anos de
idade Sergio “Vida” estreou na Copa Vicar Stock Car, realizando um sonho não só
seu, mas de muitas outras pessoas que se sentem representadas por pessoas como
ele, provando que não há limites para quem sonha e tem perseverança.
“Desde que fiquei na cadeiras, passei por muitas situações que quase
me levaram para o outro lado da vida. Estas situações, muitas vezes me deixaram
debilitado e indefeso. Sentia-me incapaz de ir adiante, mas isso me fazia
sempre acreditar que tudo era possível. Lutando com muita garra e vontade.
Perseverança é a palavra chave. Portanto acredito que mostrar minha vida a
outros iguais a mim, pode dar a eles a esperança de poder realizar. Mostrar que
na vida tudo é possivel, desde que se queira. A nossa mente é quem manda, mas
para isso precisamos de nosso corpo que é frágil. Pretendo sim pilotar em mais
alguma categoria, penso no futuro da stock car, que é o Brasileiro de Marcas.
Mas para quem não nasceu dentro do
berço, é muito dificil de conseguir. Na época meu principal apoiador, a quem
não deixo de agradecer jamais, foi a Rio linhas Aéreas, por parte de meu amigo
William Starostick. Mas uma coisa que jamais deixei de fazer foi acelerar meu
kart, agora ando com um motor MY de 125cc, que é uma delícia de pilotar. Muita
emoção a cada curva”.
Para mim só resta torcer para que como
o Sergio “Vida”, outras pessoas com as mesmas dificuldades nunca deixem que
suas limitações físicas afetem o seu psicológico, e vale lembrar sempre da
frase que ajudou e muito o Sergio na sua recuperação: "NUNCA DEIXE A INÉRCIA E O MEDO TOMAREM CONTA
DE VOCÊ".
Sergio Adriano “Vida”:
Automobilismo
2000: Vice-Campeão das 500 Milhas de
Kart de Joinville-SC
2001: Vice-Campeão das 500 Milhas de
Kart de Joinville-SC
2002/2003/2004: Disputou Campeonatos
amadores de Kart
2006: 500 Milhas da Granja Viana
2008: Campeão do primeiro Campeonato
Parakart
2008: Piloto Revelação da Federação
Paulista de Automobilismo
2009: Teste Formula 3 Sulamericana
2009: Primeiro Piloto Cadeirante a
Pilotar um Stock Car
Tiro Esportivo:
2002: Convidado a integrar a Seleção
Brasileira de Tiro esportivo em Seul na Koreia
Hepta Campeão Brasileiro de pistola
Sport
Hexa Campeão Brasileiro de pistola
Livre
Tetra Campeão Brasileiro de pistola de
ar