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O Brasil que viveu Ayrton Senna

 

Ayrton foi e é melhor piloto até os dias de hoje e espero que não seja o melhor de todos os tempos, pois desejo que nossos filhos e netos vivam algo tão grandioso.


É comum vivermos no passado, os da minha época dirão, eu vi Piquet e Senna, os mais velhos que eu, dirão; “Eu vi Lauda, Emerson e Hunt”.

No futebol cravamos, ninguém foi melhor que Pelé e nem haverá outro. Concordo, não haverá outro, mas sempre haverá alguém com capacidades iguais ou até maiores e estas capacidades devem ser encorajadas, não reprimidas.

 

Ayrton Senna foi o melhor que vi nas pistas, disso não há a menor sombra de dúvida, mas o que faz com que milhões de brasileiros que jamais assistiram uma corrida sua, no dia primeiro de maio, tenham uma sensação de que é dois de novembro, absolutamente não tem a ver com o Piloto, mas sim com o brasileiro.  

 

Era 1985, a esperança de um povo estava sendo recuperada, após o movimento das eleições “diretas já”, o Brasil decretava o fim do regime militar e via na figura de Tancredo Neves a esperança de dias melhores, mas este sonho aparente, era só o início de um pesadelo que duraria quase uma década. No 21 de abril, a notícia de que o então presidente eleito Tancredo Neves faleceu vítima uma infecção generalizada após dias internado. A comoção tomou conta do país, aquele que seria nossa esperança de dias melhores acabara de nos deixar. Tristeza maior só seria vista no rosto dos brasileiros quase uma década mais tarde.

É neste cenário que o jovem Ayrton passa a ser apresentado para um pequeno grupo de pessoas no brasil, os “amantes” da formula 1, e um grupo ainda menor de pessoas acompanhou sua primeira vitória no chuvoso GP de Portugal, o motivo, a primeira vitória de Ayrton aconteceu no dia 21 de abril de 1985, dia da morte de Tancredo Neves. Obviamente a vitória que se tornaria histórica, ficou em segundo plano diante da perda também histórica do presidente que não presidiu.  

 

José Sarney, o vice, assume o país e o que se vê nos anos seguintes é um Brasil mergulhado numa profunda crise, desemprego e inflação acima de 500% ao ano. A cada seis meses a moeda corrente mudava de nome, você ia no mercado hoje e o litro de leite custava 10 Cruzados, ontem custava 10 Mil Cruzeiros.

 

A televisão é praticamente a única diversão que se tem aos fins de semana, mas no futebol, há quase vinte anos a Seleção brasileira não conquistava uma Copa, ingredientes perfeitos para buscar em outros esportes as vitorias que o pais do futebol não vinha obtendo.

 

Em 1988, além da recém promulgada Constituição, o cenário econômico permanecia igual. No esporte o brasil ganhava mais um título de Formula 1, desta vez com o jovem Ayrton Senna, ainda desconhecido da maioria do público. A partir daí o brasileiro, que nunca parou para assistir uma corrida se quer, começa a descobrir o “Salvador da Pátria”. Afinal quem era aquele jovem que a cada corrida ganha, carregava a bandeira do brasil do carro para o pódio.

 

As corridas ao vivo nas manhãs da Globo passavam a ser os poucos instantes de alegria de um povo descrente no Futebol, na Política e no próprio País, a única certeza que se tinha era a de que aquele rapaz iria vencer no domingo, e ele vencia. Uma onda de patriotismo passa a tomar conta do pais, as bandeiras expostas nas janelas em épocas de Copa do Mundo, permaneciam lá e a TV detentora dos direitos de transmissão da Formula 1 soube como ninguém capitalizar sobre aquele momento.

 

Senna passou a ser a cara do brasileiro e o brasileiro passou a conhecer sua cara. Entrevistas para o Jornal Nacional, programas inteiros do Globo Repórter retratavam a vida dentro e fora das pistas do novo herói. Senna era o esportista que todos queriam ser, passava uma mensagem positiva de esperança, coisa que ninguém naquela época conturbada conseguia passar, namorava a “Rainha dos Baixinhos” e quem não gostaria disso?

 

O Brasil seguia mergulhado em crise e a esperança da vez era Fernando Collor de Mello, esperança que durou pouco e o conhecido como “caçador de marajás”, acabou caçando as economias dos brasileiros ao confiscar todas as cadernetas de poupança. Alegria? Apenas nas pistas com o seguindo e terceiro título mundial de Ayrton em 1990 e 1991.

 

Em 1992 e 1993, uma aparente melhora na economia, após o Impeachment do “caçador de marajá” que acabou se tornando um deles, assume o vice, novamente, Itamar Franco, aquele que além de ressuscitar o Fusca, convidou Fernando Henrique Cardoso para Ministro da economia, e este junto com uma equipe de grandes economistas, trouxe um pouco de leveza ao povo ao instaurar o Plano Real. Mas como o povo nunca tem tudo, num fatídico domingo de 1994, o herói se foi.   

 

A morte trágica na pista, fazendo o que amava fazer e o que todo o Brasil naquele momento também amava ver, não foi o fim, mas o início de acontecimentos no mínimo estranhos que vão contra tudo o que o próprio Ayrton demonstrava.

 

Um dia antes de morrer, Senna ficou perplexo com a morte de Roland Ratzenberger no Sábado, não queria que houvesse corrida, e após sua morte, o país e o mundo simplesmente esqueceram a morte de Roland. O também brasileiro Rubens Barrichello, vítima da sexta-feira daquele trágico fim de semana em Imola, imediatamente foi esquecido no hospital. Duvido que Senna, se vivo, não tivesse ido ao velório de Roland, mas o que se assistiu em seu velório foram vários títulos mundiais segurando a alça do seu caixão e nenhuma nota sobre o enterro do outro piloto de Formula 1.

 

Não creio que Senna teria gostado da disputa pelo "título de viúva" em seu velório, a atual namorada Adriana Galisteu, escolhida por ele, sendo praticamente excluída e o "posto" entregue à sua ex-namorada Xuxa, uma escolha bizarra, mas óbvia pela Global.

 

Velório, o Brasil adora velório, cortejo, enterro, elegem músicas para tocar repetidamente, repórteres com cara de choro entrevistam pessoas que na maioria das vezes nem conhecem direito o defunto.

 

Voltemos ao ano de 1985, dia 21 de abril, dia da primeira vitória de Senna, encoberta pela comoção da morte de Tancredo Neves, busquem no Google e You Tube, verão um cortejo em carro oficial, pessoas cercando os dois lados das ruas, flores, bandeiras, e a música de Milton Nascimento “Coração de Estudante” sendo facilmente decorada por quem, até então, não tinha o bom costume de ouvi-lo.

 

As “homenagens” à Ayrton superaram as feitas ao quase presidente, a chegada do corpo escoltada por caças da FAB, honras militares, ruas tomadas, caixão sobre o carro de bombeiros, novamente bandeiras, novamente flores, uma música coincidentemente do mesmo cantor, sim, o hit fúnebre de Milton Nascimento desta vez era “Canção da América”, mas a comoção e cobertura eram bem maiores agora. Mais TVs em cores, um colorido triste àqueles dias cinzas, claro, tudo ao vivo, tudo na Globo.

 

De lá para cá, ninguém nunca foi bom o bastante, a música tema da vitória, tocada pela primeira vez para Nelson Piquet, adotada como sendo o "melô de Ayrton Senna", quando tocada para Rubens Barrichello e Felipe Massa, parecia não ter o mesmo tom.

 

Algo muito comum entre alguns brasileiros, que jamais haviam assistido a Formula 1 antes de Senna, foi passar a dizer que jamais assistiriam a Formula 1 depois dele.

 

Começa então uma busca desesperada por um substituto, o que acabou transformando outro grande piloto brasileiro em piada na própria Globo. Era Galvão Bueno, por força de suas narrações, tentando fazer de Rubens Barrichello algo que não era no domingo, e na terça-feira à noite, a Turma do Casseta e Planeta tentando transformar Rubens em algo que ele também não era. Galvão e a Equipe Global, desejavam muito que Barrichello fosse o piloto a brigar de igual para igual com Schumacher na Ferrari, e o programa humorístico tripudiava capitalizando em cima do contrário.

 

Depois vieram mais de uma dezena de outros bons pilotos, a grande maioria em carros horríveis, precipitados em querer chegar simplesmente por chegar na Formula 1, sem o menor compromisso ou condições de permanecer.

Cada um deles, uma jovem promessa, o futuro do Brasil na Formula 1, em um único ano chegamos a ter seis pilotos brasileiros figurando no grid. Em 2001 foram Rubens Barrichello, Luciano Burti, Tarso Marques, Enrique Bernoldi, Ricardo Zonta e Pedro Paulo Diniz.

 

Ao mesmo tempo em que procurávamos desesperadamente um novo Senna, a cada dia 1º de Maio, que até 1994 era comemorado o “dia do Trabalho”, agora havia se tornado o segundo “dia de finados”. Senna foi de uma certa forma elevado à categoria de “semideus” e suas “façanhas” consideradas inalcançáveis, outro piloto com tanto talento? Impossível, uma triste forma de desencorajar a qualquer garoto que busque este esporte, afinal, todos deveriam ter um exemplo a seguir, alguém para se espelhar e quem sabe um dia ser igual, mas com Senna, não, dizer que será como Ayrton um dia beira a heresia.

 

Se naquele triste final de semana em Imola, Senna simplesmente tivesse batido no cinto e voltado para o Algarve, talvez hoje fosse o “dia do trabalho”, talvez estivéssemos vendo seu filho nas pistas, pode ser que tivesse batido Fangio, talvez rivalizado com Schumacher tanto quanto foi com Prost, talvez estivesse falando bobagens em alguma emissora de televisão durante as transmissões, coisa que é comum hoje em dia, ou talvez estivesse recolhido em alguma casa de campo se dedicando a família.

 

Hoje temos na Formula 1 pilotos tetra, penta e heptacampeão, mas no Brasil ainda estamos no Tri, mas no Tri de Senna, pois o de Nelson não é um Tri, é apenas um tri.

 

Duvido que Senna, no dia de hoje, fosse gostar de tanta visibilidade, não o Ayrton, o Beco tímido, discreto. Injustiça não era com ele, e não o vejo aprovando pessoas que já perderam pai, mãe, avós e outros parentes, no dia de hoje postando suas fotos, atribuindo a ele, frases que nunca saíram da sua boca, o tratando como intimo sem nunca ter assistido uma corrida sua sequer, e muitas vezes se esquecendo a data de morte de seus entes queridos.

 

O Senna que eu tenho em minha memória é aquele que no dia de hoje diria:

 

“Hoje é dia do Trabalho, então, bora trabalhar”.

 


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