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Imagem: Ever Rupel |
Poucos pilotos que tiveram
passagem pela Formula 1 e por algum motivo a deixaram, tiveram a felicidade de
retornar, e creio que só um foi chamado cerca de quatro anos depois de sua
ultima passagem. Nos dias de hoje é quase impossível imaginar algo parecido.
As particularidades da historia
que envolve este piloto com a Formula 1 vão bem alem das suas três passagens
pela categoria, se a Formula 1 representa o topo, estamos falando de um piloto
que alcançou o topo por três vezes.
Ninguém sentiu tão na pele as
delicias e as dores que ser um piloto de Formula 1 pode significar.
Esta entrevista na verdade vem
sendo ensaiada desde 2012, quando em resposta a um e-mail meu, o Tarso me enviou o que segue:
“Ninguém tem ideia do que passei
na vida pela minha carreira, nem mesmo meus pais, que são os que mais sabem o
que passei, nem eles sabem o que passei sozinho pra chegar aonde cheguei, e
tenho muita magoa por não ter sido campeão de formula 1, que foi o que sempre
sonhei e fiz de tudo para isso, infelizmente por erros estratégicos e de empresários
na época perdi minha chance de talvez ser um dia. Mas de qualquer maneira foi
valido e sei que mereci tudo, por que lutei muito e não fiquei lá por que levei
dinheiro, e sim ganhei para isto. Pouca gente sabe a verdade sobre minha
carreira, que poderia ter sido infinitamente melhor se não fosse feita a opção
errada, mas que na hora achamos que estávamos certos, coisas da vida.”
Claro que isto foi quase um
convite para tentar fazê-lo por para fora todos estes fatos, mas não foi assim
tão fácil, foram anos tentando fazer um amigo falar de si mesmo, não para mim,
mas para todos, eu já conheço a historia, mas como ser imparcial? O melhor modo
que achei foi deixá-lo falar, quando quisesse e como quisesse e o dia chegou.
Foi durante a primeira etapa da
Stock Car em Curitiba, onde por um convite da Equipe Mico’s Racing, Tarso
participaria da badalada corrida de convidados. O melhor ambiente pra falar de
corridas são nas corridas e após tocar novamente no assunto ele topou na hora.
Não espere desta entrevista um
jogral de perguntas e respostas, não espere um vocabulário refinado, não
esperem uma cronologia, e acima de tudo não espere meias palavras. A melhor
forma de apreciar o que segue é se imaginar em uma conversa descontraída com um
piloto que está decidido a tocar em qualquer assunto que for perguntado, pois
foi assim que esta entrevista foi feita.
O Conteúdo de mais de duas horas
de conversa é muito extenso, eu diria até que daria um livro, quem sabe.
A primeira parte você acompanha
agora.
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Imagem: Ever Rupel |
RS: Tarso, o foco principal aqui
é a Formula 1, então vamos começar pela sua transição da F3000 para a F1, como
foi?
TM: Bom, na verdade foi por... Não por acaso, mas eu corria na DAMS de
F3000 e eles estavam com um projeto de fazer Formula 1, a DAMS era uma equipe
boa, meu carro sempre foi muito rápido, porem era o ano em que eles estavam
construindo o carro de Formula 1, então todo o dinheiro que tinha na equipe, o
dono canalizava tudo pra construir o carro de Formula 1 que era o sonho deles,
e eu seria o piloto da DAMS Formula 1. O carro era muito rápido acho que
naquele ano na F3000 eu fui o único piloto que largou todas as corridas entre
os três primeiros, só que o carro quebrava muito, justamente por que na época o
foco não era a Formula 3000 e sim a Formula 1. A equipe era super competente,
eu ganhei uma corrida, nem me lembro de qual foi, mas era preliminar da Formula
1, e depois desta corrida o Minardi (Gian Carlo) veio me oferecer um teste, ele
disse que me acompanhou nos treinos, assistiu a corrida e gostaria de me
oferecer um teste na Formula 1.
RS: Como foi receber um convite
que, imagino, era o objetivo de toda sua trajetória até ali?
TM: Isso pra mim foi um sonho, um teste de Formula 1, pô naquela época
já tinha gente disposta a pagar por um teste e ele estava me oferecendo. Aí
quando acabou o campeonato de Formula 3000 eu fui fazer o teste, lembro que estava
marcado para o dia 3 de dezembro, acho, o piloto oficial que estaria testando
era o Fisichella, fomos para lá eu, meu pai e meu manager, só que um dia antes
começou a nevar em Fiorano, o teste foi adiado, passou um dia, dois e chegou
uma hora que meu pai falou, vamos embora que não vai acontecer, eu disse não,
vim aqui pra testar um Formula 1 e só saio depois de testar. Fiquei lá sozinho
mais uma semana, aí saiu o teste, pertinho do Natal. A pista estava toda cheia
de neve ao redor, mas saiu o teste, eles me deram doze voltas só.
RS: Apenas 12 voltas?
TM: Porra, eu não conhecia o carro, nunca tinha andado num Formula 1,
não conhecia a pista, o Fisichella tava andando o dia inteiro e no intervalo do
almoço, quando ele parou, aí eles me falaram, agora vai andar, aí eu dei estas
doze voltas que eu tinha, seis voltas cronometradas só, e andei rápido, andei
nove décimos mais rápido que ele (Fisichella) no mesmo carro, pô daí o dono da
equipe não acreditou, voltou o Fisichella pro carro pra tentar baixar o tempo,
ele andou, colocou pneu novo e o cacete e não conseguiu, ficou andando à tarde
interira e não conseguiu bater meu tempo. Chegou o final do dia e eles me
ofereceram um contrato pra correr. Ele disse, assina com agente um contrato de
cinco anos e você vai correr na Minardi. Eu liguei pro meu pai e contei e ele
não acreditou. Aí eu assinei esse contrato com eles e no ano seguinte comecei a
correr.
RS: Você acha que se precipitou
assinando esse contrato, hoje analisando tudo o que aconteceu?
TM: Não, eu não acho que o problema foi aí, até por que era uma chance
que eu tive e que ninguém teve, eu não tinha um patrocínio pra entrar na
Formula 1, eu não tinha patrocínio nem pra correr na Formula 3000 na verdade,
eu corri porque o dono da equipe gostou das corridas que eu fiz no ano anterior,
e ele falou, arruma um patrocínio só, e 70%, 80% do orçamento da equipe foi ele
quem arrumou pra eu correr na DAMS, entendeu? Então quando apareceu essa chance
na Formula 1, eu assinar pra um negócio que era o sonho da minha vida, caso não
desse certo ali, talvez eu nem corresse mais no ano seguinte, de nada, imagina
de Formula 1, então eu assinei obviamente.
RS: Eu vejo sempre como um dilema
esta fase de transição, em que o piloto, hoje de GP2, no seu tempo F3000, chega
a andar bem durante o ano, ganhando corridas ou chegando entre os três
primeiros. Aí ele pensa, vou ser piloto de testes de uma equipe de final de
Grid...
TM: Levando um monte de dinheiro ainda....
RS: Ou ficar mais um ano
esperando coisa melhor? Só que, se ele não assina com uma Manor da vida, no ano
seguinte pode andar mal na GP2 e ser esquecido, o que fazer?
TM: Hoje está cada vez mais difícil, e não é nem resultado, é
simplesmente grana. Tem uns caras lá (F1), que andam e que não deveriam andar.
Antigamente existiam regras pra entrar, você tinha que ter tido resultados em
todas as categorias, como numa escola, tinha o direito de “passar de ano”, de
subir os degraus, hoje não, o que manda é a mala de dinheiro que tem, tem cara
que nunca ganhou porcaria nenhuma e correu de Formula 1.
RS: E como você vê o caso do Verstapen,
que recém saiu do Kart e já ocupa um lugar na Formula 1?
TM: Eu não acho um absurdo como acham, se eu falasse que é um absurdo
apenas pela idade dele eu estaria me contradizendo, o caso é meio parecido com
o meu, eu tinha recém completado 19 anos quando fiz minha primeira corrida e
era um absurdo na época, o piloto mais novo na época era o Ralf Schumacher que
tinha 24, 25 anos e já era considerado novo, então quando eu entrei com 19, um
monte de gente falou, é loucura não pode. Hoje o Verstapen entrou acho que com
17 anos, não sei, acho que o que vale é o seguinte, o cara tem que ter
capacidade de guiar, está mais do que provado, os caras começam tão cedo, e desde
cedo já participam de escolinhas como a da RBR ou da Ferrari, o cara tem tanta
experiência quando chega aos 18 anos, de andar tanto em tudo que é coisa, aí você
fala pô, mas o cara fez só dois anos de corrida, como o Kimi, que foi direto da
F-Renault pra Formula 1, mas aí os caras põem eles num carro de Formula 1 e
fazem eles andar 200 mil km. Então são épocas diferentes.
RS: É a quilometragem que
importa, e não a idade?
TM: É o que eu falava com o meu irmão (Thiago Marques) eu tenho em anos
de carreira, umas três vezes mais que o tempo de carreira dele, só que meu
irmão tem mais corrida em carro do que eu, mais largadas. Então hoje o que um
Verstapen desses andou num carro de Formula 1, antes da estreia dele, é mais
que minhas três temporadas na Formula 1.
RS: Agora você, que fez todo o
trajeto pra chegar lá, fez Formula Chevrolet, F3 e Formula 3000, não acha que a
Formula 1, como está hoje, deixou de ser interessante para aquela garotada que
está no kart, que já enxergam a Formula 1 como algo quase impossível de se
alcançar?
TM: Total, acho que perdeu muito interesse, perdeu a graça pra
garotada, para público, para os patrocinadores, é cada vez mais um negócio, é
um esporte que envolve muito dinheiro, então a corrida realmente fica meio que
de lado, hoje para um piloto que não estiver numa destas escolinhas aí que eu
mencionei, ou não for apadrinhado por uma destas equipes, ele não tem a menor
chance de chegar a Formula 1, pode ser um “deus”, um “mago” guiando que não vai
chegar nunca, se não tiver um caminhão e meio de dólares, não adianta, não vai
chegar e pronto, não vai ter nem chance.
RS: Voltando à sua entrada na
Minardi, você assinou o contrato e como foi esse primeiro ano?
TM: Eu fiz duas corridas, só, foram super boas, boas (risos), eu não
terminei nenhuma das duas corridas, na primeira, em Interlagos, choveu na hora da
largada, foi muito legal porque eles me penalizaram na classificação porque
faltou, sei lá, umas 100 gramas no peso do carro, ai eu tive de largar em
ultimo, e quando a gente estava no grid caiu o mundo, uma tempestade, ninguém
tinha andado na chuva no final de semana e largamos, eu passei onze carros na
largada e aquaplanei na reta oposta, o cambio ficou travado, não entrou mais nenhuma
marcha e eu parei, tive que abandonar. A segunda corrida foi muito legal, foi
na Argentina, eu nunca tinha corrido lá, mas foi muito bacana, agente conseguiu
largar já muito bem, numa posição boa que era acho que um décimo segundo, que
na época pra Minardi era... Eu lembro que foi engraçado, acabou a
classificação, eu dei a volta e quando parei no Box a equipe inteira
comemorando batendo palmas, eu sai do carro o Gian Carlo (Minardi) me deu um
beijo, eu perguntei, fiz a pole? Como foi? Décimo segundo... Eu falei putz,
tanto escândalo por isso? Só que o carro era pra andar em vigésimo e alguma
coisa. Então foi muito bom. Na
corrida eu estava indo bem, eu já tinha feito a segunda parada, naquele momento
da corrida eu estava disputando o quinto lugar com o Blundell (Martin) e eu
passei por cima do carro dele, ele saiu do Box na minha frente, freou bem antes
do ponto de freada e eu passei por cima, não deu nem tempo de frear, tava muito
perto, foi uma pena porque era uma corrida em que agente poderia pontuar, e
bem, era pra terminar em quarto, quinto, o que para a Minardi era uma vitória.
Depois disso eu tive que sair. No teste que eu havia feito o Fisichella era o
oficial, e como eu tinha andado mais rápido que ele, eles tinham tirado o
Fisichella e me puseram no lugar dele, então eu fiz estas duas corridas, porem
ele arrumou dinheiro, tinha patrocinador e a equipe não tinha dinheiro, então
ele voltou para o carro. Eles me pagaram o salário, fiquei como piloto
contratado, mas não tinha carro. Este foi sempre um problema na Minardi né.
RS: Você ficou como piloto
reserva da equipe?
TM: É fiquei como piloto reserva e tentando outras coisas, aí eu acabei
este ano indo fazer todos os testes para o desenvolvimento dos pneus da
Bridgestone com a TWR na época e em 97 eu fui correr com a Minardi novamente.
RS: Como foi?
TM: Nessa época o Flavio Briatore comprou a equipe e me chamaram de
volta, andei metade da temporada, e o Briatore me ofereceu um contrato com ele,
eu não quis assinar e ele me tirou da equipe, me deixou sem andar e colocou o
Trulli e o Katayama. O Katayama tinha dinheiro e o Trulli assinou o mesmo
contrato que eu não quis assinar e eu fiquei sem correr...
RS: Aí é que entra o Flávio Briatore,
eu soube até pelo seu pai (Paulo de Tarso) que o Briatore te infernizou a vida
para que você assinasse um contrato com ele, e um contrato longo...
TM: Sim, de 10 anos... Eu já estava assinado a Minardi e ele me
procurou umas três ou quatro vezes me oferecendo esse contrato, a ultima vez
foi na casa dele, num apartamento em Londres e ele já estava muito bravo com as
minhas recusas. Ai ele foi bem ríspido perguntando, você não vai assinar? Eu
disse não, agente decidiu que não vai assinar, a não ser que você inclua no
contrato que eu vou fazer dois anos numa equipe pequena, dois anos numa equipe
media e pelo menos no quito, sexto ano de Formula 1 eu quero estar numa equipe
que me de chance de disputar um campeonato...
RS: Quer dizer que ele tinha
adquirido a Minardi, mas esse contrato era um contrato com ele Briatore?
TM: Era um contrato de... Ele queria comprar o meu passe, eu tinha um
contrato com a Minardi, e daí ele falou não, eu quero montar um time de pilotos
para gerenciar a carreira deles e eu estou oferecendo primeiro pra você, se
você não assinar, vou oferecer para Fisichella, para o Trulli, para Webber e o
Alonso, que foi o ultimo. Eu não assinei, ele ficou puto comigo e já na outra
corrida eu não corri mais na Minardi, porque eu não assinei o contrato.
RS: Hoje você se arrepende por
não ter assinado?
TM: Não sei, porque todos os pilotos que assinaram contrato e que eram
a segunda opção dele, Trulli, Fisichella, Webber e depois o Alonso, todos
acabaram correndo em equipe grande e todos acabaram ganhando corrida. Só que na
época o Briatore não era o cara, que se tornou um ano e meio depois, comprou
uma equipe, comprou outra e virou o “cara” e explodiu, entendeu? Ele não era o
mesmo cara nessa época, não tinha essa força que teve depois, em fim, foi um
erro? Foi mas ao mesmo tempo eu falava com Ferrari e outras equipes...
RS: Que tipo de conversas tinha
com a Ferrari?
TM: Seria um projeto para no primeiro ano de contrato, ser piloto de
testes da Sauber, depois ser titular no segundo ano e se andasse bem lá poderia
quem sabe um dia ser titular na Ferrari, fizemos algumas reuniões tratando
disso.
RS: Este caminho foi o que anos
mais tarde o próprio Felipe Massa percorreu anos mais tarde, não foi?
TM: Foi o que o Felipe fez, isto foi um pouco antes do Rubinho entrar,
o Irvine estava na Ferrari nesta época. Então agora é fácil falar eu deveria
ter assinado com o Briatore, mas na época, a gente achou que a escolha certa
era a que a gente fez, e acabou que não foi né? Mas em fim.
RS: Tudo isso foi em 97, e anos
mais tarde, o mesmo Briatore, por mais que não tenha engolido a historia do
contrato, em 2001 te levou novamente para a Minardi?
TM: É, mas aí já foi mais por pressão do Gian Carlo (Minardi), ele
gostava muito de mim.
RS: Mas o Briatore, se quisesse,
poderia ter barrado sua contratação, não?
TM: Claro que sim, talvez ele não tivesse mais a mesma simpatia pela
minha pessoa, mas me conhecia como piloto, e se me ofereceu aquele contrato é
porque via algo de promissor em mim. Só que volto a dizer, não assinei porque o
cara não garantia nada, e agente sabe bem como ele é, hoje se fosse voltar no
tempo eu também não assinaria se não tivesse alguma garantia, por que, um cara
desses sem escrúpulos nenhum como o Briatore, o cara poderia me contratar e
falar, legal o cara é bom piloto, vou por ele no Japão pra correr de Turismo e ganhar
dinheiro pra mim e pago uma mixaria por mês para ele e acabou. Eu estava começando
minha carreira, tinha uma equipe como a Ferrari interessada, um monte de gente
me querendo, na medida do possível eu tinha feito corridas muito boas, ai eu
vou assinar um contrato com um louco lá que chega e nem diz se eu vou correr,
sei lá, vai me colocar de motorista na casa dele e me pagar 1000 dólares por
mês?
RS: O contrato era para trabalhar
para ele e ponto?
TM: O trato era trabalhar 10 anos pra ele sem saber onde nem quanto eu
ganharia, sem dizer trabalhar do que, então, não tinha lógica eu teoricamente
estaria enterrando minha carreira.
RS: Ok, depois agente volta um
pouquinho mais a falar da Minardi. Agora, falando em contrato, a Formula 1 e a
maioria das Categorias Mundiais e Nacionais, são muito minuciosas com diversos
tipos de contratos, que te amarram, amarram o piloto de tal forma, que algumas
clausulas duram vários anos após a validade do próprio contrato. Eu tive acesso
a uma copia de um dos seus contratos, não me pergunte como, com um fabricante
de pneus, a Bridgestone, onde, por exemplo, uma da clausulas deste contrato o
Piloto “isenta a fabricante de qualquer acidente sofrido em corrida ou teste
cujo motivo fosse, por exemplo, um estouro de pneu”. As equipes obrigam os
pilotos a assinarem este tipo de contrato, e também com outros componentes do
carro como freios?
TM: É claro, é Formula 1, se não assina não corre, isso é de praxe, é
uma pratica normal, no contrato de todos tem isso, não pode criticar o carro,
não pode criticar nenhum componente do carro, é pior que isso, você pode ver
que toda hora em que um piloto ta dando uma entrevista, tem alguém da equipe
com um microfone gravando, isso é para depois a equipe conferir se você não
esta falando mal, pode ver que agora todo piloto fala, quando o carro quebra, o
cara ta puto, mas se alguém pergunta ele diz que foi problema hidráulico, e
problema hidráulico é a desculpa que foi criada para qualquer coisa. Você não
pode criticar o motor, você não pode criticar o pneu, nem criticar o freio ou o
cambio, porque são marcas grandes que estão ali, então dizendo que foi problema
hidráulico abre um leque pra tudo e não culpa ninguém.
RS: Mas, voltando ao contrato dos
pneus, quando eu li, me ocorreu um acidente que aconteceu com o Ralf Schumacher
em 2005 no GP dos
USA em Indianápolis, você deve se lembrar, o acidente foi
durante os treinos e na corrida só largaram seis carros, duas Ferraris, duas
Jordans e duas Minardi, melhor posição de largada de uma Minardi, em quinto. Pergunto,
por força de um contrato que obviamente ele também havia assinado com a
Michelin, tivesse ele morrido por conta do estouro daquele pneu, o que causou
um acidente muito grave, neste contrato ele previamente já havia isentado a
fabricante de pneus?
TM: Sim...
“A Formula 1 é um escritório em que por acaso tem uns carros
correndo no domingo”
RS: Esta é a Formula 1?
TM: Na verdade é assim, nada que é real chega ao publico. A Formula 1 é
um escritório que por acaso tem uns carros correndo no domingo, mas é um negócio,
um negócio que envolve muito dinheiro, muito poder, o esporte mesmo não é a
prioridade, mas e a corrida? A corrida é uma coisa que esta acontecendo lá, mas
o que vale mesmo é o negocio, é por isso que não tem cinco, seis pilotos brasileiros
no grid, não, hoje eles querem um piloto de cada canto para atrair dinheiro de
toda parte do mundo, mais televisão,
grana, grana. Formula 1 é dinheiro, o piloto é substituível.
RS: Pilotos de varias
nacionalidades e nenhum representando seu país?
TM: Claro que tem pilotos que são ídolos, mas não importa quem é,
porque o cara que estiver ali, ele vai se tornar, e eles fazem com que se torne
independente se é um bom piloto ou não...
RS: Qual é o peso real de um
Campeonato de Formula 1 nos dias de hoje, com um grid em que a maioria dos
pilotos ali é pagante, ou seja, não há muito o mérito técnico, e vou além,
títulos em condições de equipamentos absurdamente superiores aos demais?
TM: Isso é difícil avaliar por serem épocas diferentes, mas por um lado
houve também épocas em que Senna e Prost disputavam na McLaren, e que eram os
dois se matando, só que era só a McLaren, não existia outra equipe que fizesse
frente, eu me lembro de corrida que os dois deram volta no terceiro, era
ridículo, lógico que lá tinha outros nomes como Mansell e Piquet, eram grandes
pilotos reconhecidos. Hoje entrou muita gente nova na Formula 1 que agente nem
viu de onde veio e não sabe nem por que ta lá.
RS: Mas você acha que o nível técnico
hoje piorou?
TM: É difícil avaliar, eu acho que mesmo alguns não sendo um talento
nato, são mais treinados hoje do que antigamente, é a mesma coisa que eu penso
com relação ao Futebol, não entendo nada de Futebol, mas você vê na época do
Pelé, ah, o Pelé era um super craque, mas eu sem entender nada vejo imagens e
era como se ele jogasse contra um monte de cones, totalmente despreparados,
hoje você vê a copa do mundo tem o Messi, o Cristiano Ronaldo, mas, tem um nível
geral muito mais a altura do que na época do Pelé. Hoje na Formula 1 eu acho
que os pilotos são muito mais treinados, hoje em dia o ruinzinho é muito mais
próximo do melhor devido aos treinos, simuladores. Diferenciado tem um ou dois,
é Hamilton e Alonso que são acima da media o resto é um nível bom, mas...
RS: Estes dois, você colocaria um
degrau acima dos demais?
TM: Eu acho que o Alonso é o mais completo e o Hamilton um pouco
abaixo, lógico que os outros são bons, mas não são os caras que fazem a
diferença.
RS: Eu particularmente meço a
capacidade de um piloto de um modo um pouco diferente, pois hoje em dia focam
muito em resultado...
TM: Resultado é uma ilusão... Vai falar que o Damon Hill era bom?
RS: É, e tem um título... Button?
TM: Tem um título... E o Villeneuve? Bom piloto? Bom piloto, mas pra
dizer que é Campeão Mundial de Formula 1? Vai comparar com Senna? Com
Schumacher? Esquece...
RS: A minha pergunta era a
seguinte. Durante o período que você esteve na Formula 1, numa análise fria de
equipamento versos resultado, como você avaliaria sua passagem, com o
equipamento que você tinha e os resultados que apresentou?
TM: Eu acho que não tinha como ser nada melhor, o maior exemplo é o
Alonso, foi pior que eu durante o ano, eu tive os três melhores resultados do
ano, e quando saiu de lá para outra equipe, no seu primeiro ano ganhou corrida,
foi campeão do mundo, é fato, não é achar, é 100% equipamento, não tem como
comparar uma equipe com a outra se até dentro da mesma equipe, numa equipe
pequena os carros são diferentes, meu carro era totalmente diferente do carro
do Alonso, corrida era uma coisa, a gente conseguia ta disputando e era onde a gente
conseguia algum resultado, mas classificação era covardia, era muita diferença
de um carro pro outro, eu classifiquei acho que só duas ou três vezes na frente
dele no ano inteiro, e foram as vezes que o meu carro quebrou antes da
classificação e eu tive que usar o dele, por que eu não tinha carro reserva ele
tinha...
RS: Evolução do carro ia tudo
para o dele?
TM: Sim, normalmente numa equipe grande, sempre acontece de ter uma
diferença por mais que eles tentem fazer tudo igual, porque as equipes grandes
tem gente 24H trabalhando, então o cara desenvolveu um negócio no túnel de
vento, fez uma asa e deu, manda fazer varias, mas a que ta pronta manda pro
autódromo, chegou uma, vai pra quem? Para piloto principal, então sempre na
hora que tem que se fazer uma escolha, é para o cara, e não adianta, tem
preferência. Na equipe pequena não era diferente, eu fui correr com o Alonso,
meu carro no começo pesava 30 kg a mais que o dele, 30 kg num carro de Formula
1, pra você ter uma ideia em Spa 10 kg são quatro décimos e meio, qualquer
outra pista é mais que três décimos, isso 10 kg, nos estamos falando de 30 kg,
já tem 1” só em peso do carro, mais lento que o outro.
RS: Era tão diferente assim...
TM: O assoalho era diferente, as laterais eram diferentes, as partes
aerodinâmicas eram diferentes, ele tinha um pacote mais evoluído. Freio, eu
usava um freio de uma marca que agente ganhava do patrocinador, e o Alonso
usava os freios que as equipes grandes tinham que eram freios pagos, a equipe
não tinha orçamento então só pagava os dele, às vezes tiravam do carro dele os
velhos e eu usava pra classificação, mas não tinha o mesmo equipamento. Motor,
mesma coisa, motor tem milhagem, então eu andava com um motor com menos giros
que o dele. Mas eu ia falar o que? Eu era o piloto contratado e ele era o cara
que pagava conta.
RS: Você já chegou à equipe tendo
ciência disso?
TM: Já, porque o Alonso já era o piloto contratado, o patrocinador da
equipe, era dele, ele era o piloto titular, eu cheguei em cima da hora, o carro
foi feito para ele, no tamanho dele, eu cheguei igual aqui (Stock Car) hoje,
caí de paraquedas, eu fechei que ia correr uma semana antes da corrida. Fui pra
Austrália, eu não consegui participar do primeiro treino oficial por que o
carro não tava pronto, eu nunca tinha andado no carro, nunca tinha visto o carro,
fazia anos que eu não andava de Formula 1, fui para o segundo treino e o carro
não funcionava.
RS: O fato de chamarem você que,
como disse, há alguns anos não pilotava um Formula 1, quando havia vários
pilotos que seriam opções?
TM: Foi o Gian Carlo e o Paul Stoddart, foi uma decisão de ambos, mas o
Gian Carlo sempre apostou em mim. A verdade é que eu ajudei muito o Alonso no
inicio, e essa meio que era mesmo a minha função, ele era um cara novo, super
competente, prometia, só que não tinha experiência nenhuma de Formula 1 e eu já
tinha. Acho que sabiam que eu faria bem este papel.
RS: Naquela época ele Alonso, já
apresentava este diferencial?
TM: Já, eu sempre achei, eu já tinha corrido com Trulli, Fisichella,
Coulthard, Webber, em fim, um monte de caras, tanto na Formula 1 quanto na
Formula 3000, no mesmo carro e na mesma hora, sai um entra o outro, e eram
todos fracos, o Alonso era o único cara que andava rápido, agente ia para uma
pista nova, ele sempre teve facilidade de conhecer pista nova, ele dava duas voltas
numa pista já tava virando rápido e os outros caras tinha que andar um dia
inteiro para começar virar rápido, o Alonso já chegava virando, era “paulera”,
andava bem na chuva, no seco, o carro tava, sei lá, caindo uma roda e ele tava
acelerando. Foi o único cara que eu realmente respeitei, era certo que iria ser
bom, ele era muito acima da média dos caras que eu tinha como referencia, e que
já não era nenhum bobo.
RS: Agora uma curiosidade minha,
me fala um pouco sobre o projeto Phoenix, que adquiriu a Prost e lhe ofereceu
um contrato, por que não deu certo?
TM: Tenho a dizer que eu nem sei o que dizer. Isso foi acho que em
2004. Sei que eu assinei um contrato de dois anos pra correr e fui três vezes para
o autódromo pra correr e não corri, fui para Mônaco, Imola e Dubai pra correr e
acabei não correndo.
RS: Politicagem?
TM: Total, 100%, esquema de inscrição, porque mudou o nome da equipe
que até então era a Prost. Mas esta foi uma, teve varias outras coisas,
tentativas, mas Formula 1 é equipamento. Aparece muito aventureiro, cara que
acha que porque é milionário pode comprar uma equipe de Formula 1 e não é bem
por aí, lá o buraco é bem mais embaixo, quebra qualquer milionário do mundo
inteiro, sai de lá morto, vendendo até a alma e não anda. Eu cansei de muita
conversa como esta, a Phoenix foi só mais uma. Sabe você aprende sofrendo. Eu
no ultimo ano de Minardi já tava de “saco cheio”. Um dia eu falei, não quero
mais correr só pra dizer que eu corro de Formula 1, ou é pra fazer alguma coisa
que preste, ou to fora, não quero ficar me matando que nem um louco pra andar,
quando ta bom é porque eu to na frente do cara da minha equipe, isso não quer
dizer nada entendeu? Ficava eu e o Alonso se matando pra andar na frente de um
Mazacane da vida e não resolvia nada.
RS: Nesta época você já estava
desencanando da Minardi ou da própria Formula 1?
TM: Da Formula 1, não era só da Minardi, da Minardi eu sai porque eu
tava puto já, eu não queria mais correr porque era ridículo, já era a menor
equipe, era um trabalho, eu tava contratado e naquela situação em que você sabe
que não vai acontecer nada, e chega um ponto que você fala o que eu to fazendo
aqui, to fazendo numero? Acabou o prazo
de validade, ou eu fico aqui para andar bem ou to fora. Eu pedi pra sair por
isso, eu não aguentava mais.
RS: Vamos mudar um pouquinho a
conversa só pra você me esclarecer uma coisa. Na sua passagem pela Indy, que
inclusive foi antes desta ultima passagem pela Minardi, você passou pela Penske
e desta passagem surgiu um dos “folclores” do automobilismo sobre o episodio do
rádio com o Roger Penske, você xingou o Roger no radio? Isto existiu?
Continua.....